Aos olhos de muitos cidadãos russos, a debandada de marcas ocidentais do paÃs, reflexo da agressão que desencadeou a guerra na Ucrânia, tornou-se uma grande oportunidade. Desde o inÃcio do conflito, há pelo menos 50 casos de indivÃduos que fizeram solicitações para registrar formalmente marcas famosas, como Coca-Cola, McDonald’s, Mastercard e Nespresso. As informações são da rede russa RBC.
Ao ingressarem com o pedido no escritório de patentes, os russos planejam faturar com o anúncio de que grandes marcas deixarão de produzir ou vender seus produtos no paÃs. Na maioria dos casos, o registro refere-se apenas à marca original, inclusive com pedidos referentes à s respectivas logomarcas, como ocorreu com a Coca-Cola. Mas há também pessoas que buscaram soluções alternativas para tentar embolsar dinheiro.
Alguns dos registros solicitados são cópias de grandes nomes do mercado global. Por exemplo, a patente Nezpresso, que, assim como a original Nespresso, também visa a produzir cafeteiras e cápsulas de café, mas com a lera “z” no lugar do “s”. Na mesma situação se enquadra a Idea, uma cópia da loja sueca de móveis Ikea.
Anúncio da Coca-Cola em Moscou, dezembro de 2015 (Foto: Wikimedia Commons) |
Duas companhias estão por trás da maioria dos pedidos oportunistas de registro. São a Smart Beauty, do setor de cosméticos, e a farmacêutica Biotekfarm-M, que têm os mesmos acionistas, os russos Vadim Ryabchenko e Alexander Gershtein.
Segundo Gershtein, a ideia foi originalmente da também empresária russa Ekaterina Petrunina, que solicitou o registro da marca McDonald’s, uma das muitas a encerrar suas atividades na Rússia devido à guerra. “Quem está nos impedindo se eles deixarem o paÃs? A escolha é deles”, disse o empresário.
No caso de Ryabchenko e Gershtein, a oportunidade surgiu inicialmente com a empresa francesa L’Oreal, vez que ambos atuam no ramo da beleza. Eles planejam lançar uma linha própria de produtos de beleza e aproveitar a marca famosa para valorizar os itens. Em outros casos, o objetivo é apenas revender a marca aos donos originais no futuro, caso decidam voltar ao mercado russo.
Uma situação curiosa é da Intellectual Property Market Support Agency, que pediu o registro das patentes American Express, Mastercard e Audi. A intenção, porém, é fugir completamente ao ramo de atuação delas. A famosa marca de automóveis tende a se tornar fabricante de perfumes e produtos de limpeza, enquanto as marcas das companhias de cartões de crédito foram registradas na classe de aparelhos cientÃficos e de pesquisa.
Konstantin Kukkoev, por sua vez, pretende aproveitar o vácuo deixado pela Ikea no setor de móveis, por isso registrou a marca Idea. Ele alega que muitos estúdios de projetos, como o dele, foram afetados pela decisão da companhia sueca de sair da Rússia. Então, pretende assumir o espaço no varejo.
“No ano passado, projetamos cerca de 74 móveis de interiores para a Idea. Algumas delas ainda estão em fase de implantação, outras estavam apenas começando”, diz ele, que usaria seus projetos engavetados e venderia os móveis sob a nova marca.
Iniciativa fracassada
Para especialistas em patente, a iniciativa tende a naufragar. Isso porque a legislação russa impede o registro de uma marca que já tenha sido registrada anteriormente, de acordo com o advogado Sergei Zuykov. Segundo a também advogada Anastasia Spilnik, é igualmente inviável assumir os direitos sobre uma patente que tenha “semelhança a ponto de confusão” com outra.
“O fato de algumas empresas terem suspendido suas atividades na Rússia não significa que elas deixaram de existir e que suas marcas não são mais protegidas legalmente”, diz Yury Fedyukin, sócio-gerente da Enterprise Legal Solutions. Nesse caso, acordos internacionais e a OMC (organização Mundial do Comércio) garantem a manutenção do direito sobre a marca, vez que ela continua a existir no resto do mundo.
Zuykov, porém, faz um adendo que pode animar os empreendedores russos. “A chance [de o registro ser aceito] surge em um único caso: se o governo decidir cancelar toda a propriedade intelectual de paÃses hostis”, diz o advogado. “Imaginar que isso aconteça, porém, condiz mais com uma série de ficção”.
Êxodo de empresas
Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro, mais de 450 empresas ocidentais deixaram ou pretendem deixar de operar em território russo, seja de maneira temporária ou definitiva. O levantamento foi feito pela Universidade de Yale, nos EUA.
A debandada custará caro ao consumidor russo, privado de produtos em setores diversos, como entretenimento, tecnologia, automobilÃstico, vestuário e geração de energia. Mas que também pode afetar o Ocidente, sobretudo nos casos do gás e do petróleo.
Pensando na Rússia, o maior impacto será causado pelo êxodo das empresas do setor de geração de energia, que já começaram a suspender sua atuação no paÃs, cuja economia é fortemente dependente desse mercado. Destaque para a BP, empresa britânica de gás e petróleo que cancelou um investimento de US$ 14 bilhões na empresa estatal russa Rosneft, segundo a rede Voice of America (VOA).
Seguindo o mesmo caminho da tradicional rede de lanchonetes, a Coca-Cola também confirmou a saÃda da Rússia. “Nossos corações estão com as pessoas que estão resistindo a efeitos inconcebÃveis desses trágicos eventos na Ucrânia”, disse a empresa em comunicado. A PepsiCo, por sua vez, deixa de vender bebidas na Rússia, mas mantém as linhas de produtos essenciais, como leite e comidas para bebês. O Starbucks fechou as lojas e interrompeu o fornecimento de produtos a parceiros.
Nessa área, as sanções já anunciadas por EUA e Reino Unido, que deixaram de comprar petróleo e gás da Rússia, tendem a causar problemas inclusive ao Ocidente, com a perspectiva de grande aumento global nos preços dos combustÃveis. E pode piorar, vez que Moscou ameaça suspender o fornecimento de gás natural à Europa como represália e tem afirmado só aceitará vender esses produtos se o pagamento for feito em rublos russos, a fim de fortalecer sua moeda.
No setor de alimentação, alguns gigantes mundiais suspenderam suas operações na Rússia. Um deles é o McDonald’s, que fechou todos seus restaurantes. Ao final do ano passado, a rede tinha 847 lojas no paÃs. Diferente do que ocorre no resto do mundo, onde habitualmente atua no sistema de franquias, 84% das lojas russas são operadas pela própria companhia. Somado ao faturamento na Ucrânia, a operação responde por 9% da receita global da empresa.
Loja do McDonald’s na Rússia (Foto: Wikimedia Commons) |
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